Redige habitualmente em latim, língua que não domina nem tão pouco conhece, artigos científicos que as revistas da especialidade teimam em não publicar. Para a TV7 DIAS e MARIA escreve artigos económicos. No tempo que lhe sobra escreve aqui.
09
Jul 12
jls, às 00:07link do post | comentar

Em “Era uma vez na Anatólia”, numa noite de tempestade e enquanto procuram um corpo, o promotor público conta ao médico que o acompanha a história de uma mulher, mulher de um amigo seu, que um dia disse que morreria numa data específica cinco meses depois. Como previsto, quando esse dia chegou, a mulher morreu.

 

Perante a curiosidade do médico, continuou.

 

Disse que teria o bebé e morreria. E uns dias depois do parto assim foi. Sem nenhuma razão. Era inteligente, educada, nem um pouco supersticiosa e acima de tudo… linda.

 

A história volta passado um pouco quando falam da beleza de outra mulher. A Filha de um chefe de aldeia que por viver num lugar inóspito teria o seu futuro comprometido. Um desperdício segundo o promotor que conclui; … é apanágio das belas terem má sorte.

 

O silêncio que se instala dá o mote ao diálogo seguinte quando o médico pergunta porque morreu a mulher.

 

Que mulher? – Devolve o promotor.

 

A mulher que você disse que era linda, a mulher do seu amigo. Qual foi a causa da morte? O que disseram os médicos?

 

Visivelmente transtornado o promotor continua com a história. Na verdade não houve uma causa. Foi uma morte estranha, e natural. Um dia, o meu amigo disse à mulher: "No outono vendemos o carro velho e compramos um novo." A mulher respondeu: "Faça o que quiser. Já aqui não estarei no outono. Estarei morta." O meu amigo não ligou por pensar que ela estava a brincar. "Não é brincadeira, estou a falar sério. Vou morrer depois de ter o bebé".

 

Claro que ele ficou irritado, mas não insistiu porque a mulher estava grávida. Sabe, as mulheres ficam sensíveis quando estão grávidas. Ficam deprimidas. Assim, não levou a sério as suas palavras. Nos dias seguintes as mesmas palavras. Até que chegou o dia do nascimento. Foi tudo normal e nasceu uma menina saudável. Pouco tempo depois, a mulher deitada na cama quis fazer um carinho ao bebé. Trouxeram o bebé e ela deu-lhe um beijo e um abraço. De seguida disse: "Agora posso morrer." E com efeito morreu. Em frente de todos.

 

E foi isso, doutor. São os factos. Morreu no instante em que disse que iria morrer. Que sentido pode haver nisto, doutor?

 

(silencio)

 

A autópsia teria esclarecido as causas da morte. O que disseram os médicos?

 

Não houve autópsia, não havia nada que investigar. Foi um ataque cardíaco. Se houvesse alguma coisa que investigar acha que eu não saberia? Sou promotor público.

 

Muito tempo depois volta a história…

 

Pergunta o médico: “Ainda sobre a mulher daquele amigo seu, estava tudo bem entre eles?”

 

Sim, claro. Bem você sabe... Em qualquer casal há sempre problemas, problemas menores claro. Segue-se um silêncio confrangedor, até o promotor continuar. Houve uma vez que ela o apanhou com outra. Mas perdoou-o imediatamente. Era sem dúvida uma mulher inteligente. Perdoou-o na mesma altura. Nunca mais falaram desse assunto.  

 

Sabe, caro promotor, esse é o tipo de coisas que uma mulher nunca perdoa e há medicamentos para o coração que tomados em dose excessiva podem provocar um ataque cardíaco. Tem a certeza que não havia medicamentos em casa?

 

Bem… o meu sogro tomava digoxin.

 

Assim cai a teoria de Nietzsche: “O castigo é feito para melhorar aquele que o aplica»; esta frase que representava o último recurso dos defensores do castigo só é valida perante a sintonia entre quem castiga e quem é castigado.

 

 

 


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