Redige habitualmente em latim, língua que não domina nem tão pouco conhece, artigos científicos que as revistas da especialidade teimam em não publicar. Para a TV7 DIAS e MARIA escreve artigos económicos. No tempo que lhe sobra escreve aqui.
26
Ago 10

 

 

Regressado de férias e sem notícias da mulher, a monte com o seu amigo imaginário, Carlos decidiu marcar mais uma consulta com o seu Psiquiatra, o Doutro Cadélico. Este é o excerto da consulta T10E136.

 

(c) - Sabe doutor, nas férias pensei muito no que Platão me disse: A vergonha humana surge apenas ante a ameaça da descoberta.

 

(psi) - Falou com Platão?

 

(c) - Sim. Da escola clássica é com quem mais falo.

 

(psi) - Platão está morto. Como é que falou com ele?

 

(c) - Morto? Que tragédia… Ainda na semana passada aqui me cruzei com ele.

 

(psi) - Ah, esse Platão. O meu paciente.

 

(c) - Claro, pensava que era o filósofo? Ah ah ah.

 

Com um movimento rápido e preciso o Doutor Cadélico saca duma Beretta e aponta-a à cabeça de Carlos.

 

(psi) – Nunca se ria de mim, ok?

 

(c) – (…) Acho que ameaçar um paciente com uma arma não é das melhores terapias. É a minha opinião, que sou apenas licenciado em Psicologia e não doutorado como o senhor.

 

(psi) – Um destes dias peço uma segunda opinião. Até lá seguimos com a minha terapia. Entretanto perdi-me no raciocínio.

 

(c) – Ah ah ah. Junte-se ao clube. Perdidos andamos todos.

 

(psi) – Riu-se?

 

(c) – Não, não. Desculpe. Falava-mos na dicotomia vergonha/descoberta.

 

(psi) – Tudo se relaciona. No seu caso comer borrego é a solução.

 

(c) – Não consigo. Lembra-me o dia em que ela partiu.

 

(psi) – Por falar em partir. Tenho aqui duas más notícias para lhe dar. Chegaram-me ontem os resultados dos exames que fez.

 

(c) – Más noticias?

 

(psi) – Sim, muito más. Tem um cancro na carola.

 

(c) – Meu Deus, um cancro. E a segunda?

 

(psi) – Também lhe diagnosticaram Alzheimer.

 

(c) – Meu Deus, Alzheimer. (…) Bem, pelo menos não tenho cancro.

 

(psi) – É injusta a vida Daniel. Vou ajuda-lo na sua dor.

 

(c) – Daniel? Mas eu sou o Carlos. Trocou-me novamente com o paciente das 15H?

 

(psi) – (…) Deixe-me consultar a agenda. Tem razão Carlos. Esses exames não são seus. Os seus estão aqui, na hora do Daniel.

 

(c) – Ainda bem. Pobre Daniel.

 

(psi) – Oh diabo! Isto não está nada bom. Cancro, Alzheimer e Parkinson. Lamento muito.

 

(c) – Empreste-me a arma doutor.

 

(psi) – Ah ah ah. Estava a entrar consigo. Só tem Alzheimer. Até para a semana e venha na hora do Daniel para eu acertar a agenda.


05
Ago 10

 

 

Quando a mulher fugiu com o seu amigo imaginário, Carlos sentiu a necessidade de recorrer a um Psiquiatra. Desde esse dia que procura compreender a razão porque nunca mais conseguiu tocar num prato de borrego. Foi há 15 anos. A conversa que aqui se transcreve é a consulta T10E135.

 

- Para onde vão as saudades quando as matamos, Doutor Cadélico?

 

- Não sei. Diga-me você.

 

- As minhas para nenhures. Não tenho sítio onde as enterrar. O jardim é pequeno. Já lhe falei do jardim?

 

- Sim, mais que uma vez. É pequeno.

 

- E a paz que procuro? Onde a posso encontrar?

 

- Cuidado, atrás de si!

 

Assustado, Carlos virou-se instintivamente. Foi nessa altura que o Psiquiatra lhe deu com o abajur na cabeça. Entre a dor, o susto e a angústia de ter ficado despenteado ainda o ouviu perguntar enquanto se recompunha:

 

- Percebeu a lição?

 

- Não.

 

- A dor que o atormenta não é física. Este abajur representa o seu passado de dor, o susto que levou o seu presente e a sua vontade de melhorar o futuro. Percebe onde quero chegar?

 

- Não, Doutor. O universo é demasiado complexo para que o entenda. Até na Amadora me perco. Acha que devo ser operado?

 

- A lista de espera é grande e o problema não está em si. Continua preso ao passado, é disso que se tem de libertar.

 

- Sabe Doutor, no médio oriente as pessoas só pagam aos médicos quando melhoram, não enquanto estão doentes. Pagam pelo que querem e não pelo que não querem.

 

- Onde quer chegar com essa conversa Daniel?

 

- Doutor, o meu nome não é Carlos?

 

- Deixe-me consultar a agenda. Tem razão Carlos, desculpe. A minha secretária trocou-o com o paciente das 15H. E este não é o seu processo. Não faz mal, paga só meia consulta. São 100 Euros.

 

- Acha que vou ficar só meio bom?


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