Quando a mulher fugiu com o seu amigo imaginário, Carlos sentiu a necessidade de recorrer a um Psiquiatra. Desde esse dia que procura compreender a razão porque nunca mais conseguiu tocar num prato de borrego. Foi há 15 anos. A conversa que aqui se transcreve é a consulta T10E135.
- Para onde vão as saudades quando as matamos, Doutor Cadélico?
- Não sei. Diga-me você.
- As minhas para nenhures. Não tenho sítio onde as enterrar. O jardim é pequeno. Já lhe falei do jardim?
- Sim, mais que uma vez. É pequeno.
- E a paz que procuro? Onde a posso encontrar?
- Cuidado, atrás de si!
Assustado, Carlos virou-se instintivamente. Foi nessa altura que o Psiquiatra lhe deu com o abajur na cabeça. Entre a dor, o susto e a angústia de ter ficado despenteado ainda o ouviu perguntar enquanto se recompunha:
- Percebeu a lição?
- Não.
- A dor que o atormenta não é física. Este abajur representa o seu passado de dor, o susto que levou o seu presente e a sua vontade de melhorar o futuro. Percebe onde quero chegar?
- Não, Doutor. O universo é demasiado complexo para que o entenda. Até na Amadora me perco. Acha que devo ser operado?
- A lista de espera é grande e o problema não está em si. Continua preso ao passado, é disso que se tem de libertar.
- Sabe Doutor, no médio oriente as pessoas só pagam aos médicos quando melhoram, não enquanto estão doentes. Pagam pelo que querem e não pelo que não querem.
- Onde quer chegar com essa conversa Daniel?
- Doutor, o meu nome não é Carlos?
- Deixe-me consultar a agenda. Tem razão Carlos, desculpe. A minha secretária trocou-o com o paciente das 15H. E este não é o seu processo. Não faz mal, paga só meia consulta. São 100 Euros.
- Acha que vou ficar só meio bom?